Compliance em tempos de coronavírus e no pós CRISE

Compliance em tempos de coronavírus e no pós CRISE

O ano de 2020 com toda certeza será visto no futuro nas páginas dos livros de História por ter sido global e inapelavelmente impactado por uma das piores crises de que se tem notícia na história da Humanidade e os mais jovens de hoje ainda terão muito tempo para poder relatar esse fato a seus filhos e netos.

O impacto causado pela Pandemia do Coronavírus atingiu profundamente todos os setores de atividade humana ao redor do Planeta, com graus variados de intensidade, causando paralizações nas Economias, gerando gatilhos para perigosas recessões em função da retração do consumo pelos agentes econômicos.

Falou-se muito sobre o impacto na Saúde Pública, pois se percebeu que nenhum país, mesmo as Economias estáveis e sólidas, como Estados Unidos e Alemanha, possui uma estrutura de saúde suficiente para atender emergências do tipo das que estão acontecendo. Em nosso país, em alguns Estados verifica-se uma situação de quase desespero.

Falou-se também no tremendo impacto na atividade econômica em nível global, na enorme preocupação dos governantes com o aumento em velocidade exponencial das taxas de desemprego, quebra de empresas, inadimplências, paralisação quase total do comércio, penúria entre as populações menos favorecidas e outros pontos de ruptura cuja recuperação e correção poderão levar anos para se concretizarem dependendo do grau de desenvolvimento de cada país.

Nosso país, infelizmente foi duramente atingido neste aspecto e só não se encontra em pior situação graças ao fabuloso desempenho do Agronegócio.

Mas há outro fator que permeia nosso dia a dia corporativo, ao qual foi dada extrema importância no Brasil a partir das investigações da Operação Lava Jato que teve como principal e maior objetivo quebrar a cadeia de atividades ilícitas, desvendando operações fraudulentas, agentes corruptos e corrompidos, esquemas sofisticados de propinas e vantagens ilícitas, transações que tinham como objetivo a lavagem de dinheiro, depauperação dos ativos de grandes empresas públicas, enfim uma malha nociva e criminosa que trouxe graves prejuízos à Nação em todos os sentidos.

Esse fator está relacionado ao conjunto de programas corporativos de conduta e ética nos negócios aos quais denominamos Compliance ou Conformidade em português. Esses programas de conduta existem mandatoriamente nos Bancos e Instituições Financeiras os quais possuem estruturas segregadas e com total autonomia para até determinarem o impedimento de um CEO de sua posição se for necessário sendo rigidamente controlados pelo Banco Central ou pela Comissão de Valores Mobiliários nos casos de Instituições que trabalham nas negociações de Bolsa de Valores.

Nesta crise vimos o surgimento, por absoluta necessidade e em tempo record, de novos formatos de trabalho, gestão de equipes, condução de reuniões, apresentações, tomadas de decisão, manuseio de dados confidenciais fora de seu ambiente, etc, tudo de maneira remota, com presença virtual dos envolvidos, o que até há meses era uma realidade ainda incipiente na cultura corporativa ao redor do mundo.

A implementação dessa nova forma de trabalho gerou o aparecimento de novos processos, mais enxutos, menos burocráticos por conta da ausência de um espaço físico onde todos estão juntos, motivados pela necessidade premente de isolamento social como forma de neutralizar a velocidade de transmissão da COVID19.

Muitos desses novos processos, pela urgência com que foi necessário implementá-los envolvem a partir de agora um desafio qual seja o da elaboração de novas políticas de controles, as quais muito certamente serão baseadas em tecnologias digitais, uma vez que a atividade de controle in loco não será mais possível. Surgirão então várias questões e um novo formato de trabalho também neste aspecto deverá ser implementado.

Além disso um outro efeito da Pandemia foi também a redução nos quadros de colaboradores das Corporações o que causou uma ruptura de um dos pilares de Controles e Compliance nas empresas que é a segregação de funções, impondo mais um desafio corporativo no sentido da readequação dos quadros funcionais de forma a não se descumprir as normas de Conformidade, ou uma outra alternativa que em tese poderia passar pela automatização. Mas como desenhar isto?

Um outro fator que surgiu trazido por essa mudança na organização do trabalho foi a maior autonomia dos profissionais que se veem na contingência de em certos momentos, terem que tomar decisões rapidamente sem a possibilidade de convocação de reuniões para determinação de diretrizes e de limites de segurança.

Neste sentido, vemos criado um ambiente ou cenário que pode gerar grandes brechas para a ocorrência de atividades ilícitas e neste momento, da mesma forma que o trabalho mudou de forma radical, o qual com toda a certeza não retornará totalmente ao formato antigo por uma série de motivos, entre eles a inegável redução de custos para as Corporações, precisaremos também ter uma revisão na forma de se trabalhar em Compliance, pois a luta contra o ilícito e a falta de ética não poderá acabar nunca, tornando-se cada vez mais especializada e complexa, uma vez que exigirá olhares e ação para diversas frentes e não mais apenas o ambiente Institucional dos escritórios.

A pergunta que surge é: que formatos de políticas de ética e controles deverão ser desenvolvidos para que a informação transitada seja absolutamente protegida e esteja em conformidade com a legislação de segurança das informações? Como seria a política de whistle blower, se as pessoas estão trabalhando de forma isolada em escritórios domésticos?

Usando a clássica figura do Triângulo de Cressey (o triangulo da fraude), podemos perceber claramente o potencial risco trazido pela inovação do Home Office:  a pressão, a oportunidade e a racionalização.

A pressão, ou motivação é a existência de problemas financeiros que não podem ser compartilhados; a oportunidade é a possibilidade de se solucionar secretamente esses problemas, pela violação de um demonstrativo financeiro; e a racionalização da fraude é a ideia de que é necessário e se justifica o ilícito para que se resolva o problema financeiro de uma empresa mesmo à custa de uma quebra de confiança.

Este é um exemplo de mais um nova modalidade de risco trazida pelo Home Office e é neste ponto que Compliance também precisa realizar mudanças e se reinventar frente ao novo, para adequação dos códigos de conduta que devem ser novamente ensinados à comunidade profissional de todas as Organizações onde o trabalho remoto passou a ser a alternativa para a continuidade do negócio, porém sem que sua fluidez seja afetada.

Em resumo, as áreas de Compliance devem estar conectadas com o novo trabalho, que não se restringirá com certeza a este período de isolamento, criando novas políticas, novos códigos de ética, ensinando-os aos profissionais de forma interativa e eficaz, sem engessar o negócio. Compliance não deve ser encarada como polícia, mas como parceira do negócio ágil e lícito.

Poderíamos ficar aqui listando uma enorme fileira de possibilidades de ocorrência de ilícitos como consequência da crise do Coronavírus, mas somente um exemplo pode nos dar a dimensão do risco e da necessidade de reinvenção de matrizes de riscos e controles: as compras sem a necessidade de licitações em função da extrema urgência do momento.

Este é um terreno fertilíssimo para um ato corrompido. Nestes últimos dias vimos nos noticiários que em um Estado do Sudeste, foi denunciado um caso de existência de um grupo de parlamentares suspeito de corrupção na compra de aparelhos respiradores sem licitação, em função da emergência, o que é uma ação condenável que gera gravíssimas consequências para hospitais e profissionais que lutam pela vida dos que estão em situação de risco.

Neste sentido um grande desafio surge diante de CEOs, Conselhos e Comitês de Auditoria das Organizações, de qualquer tamanho. Todo exemplo precisa vir necessariamente do topo, cabendo aos líderes aceitarem a tarefa de repensarem suas cadeias de produção e os pontos de risco, criando novos tipos de controles que dificilmente poderão ser manuais, sendo uma provável saída, como já mencionado, a automatização dos processos onde for viável e onde não for, começar a pensar-se em terceirização, que também envolverá desafios por questões de sigilo.

A cada momento surgem mais oportunidades para reinvenção das práticas e políticas de Compliance, devido à rapidez com que a adequação do trabalho à crise está se configurando. Em função do isolamento, alguns setores de atividade econômica sofreram uma grande pressão por contratações, as quais precisam ser realizadas rapidamente para atendimento de múltiplas demandas, por exemplo: o incremento das atividades de delivery, que em geral são empresas terceirizadas.

Como será que as Organizações estão contratando? Será que fazem algum tipo de diligência em seus contratantes? Será que tem tempo de pensar que podem contratar uma empresa laranja? Como Compliance e as áreas de Controles devem agir nestes casos de emergência para garantir as aderências e minimizar riscos? Será que as Organizações possuem por exemplo, comitês de gestão de crises? Como as áreas de Compliance e Controles se posicionarão diante do enxugamento das Organizações versus a questão da segregação de funções?

Vejam quantos desafios e oportunidades de reinvenção que Compliance precisa se atentar a partir de agora e no pós crise, pois o Home Office não é apenas uma tendência ou um tapa buracos. Este está sendo um teste de contingência para o novo trabalho e pelo visto será plenamente aprovado pelas Corporações.

Como deve ser a nova forma de ação das áreas de Compliance a partir do pós crise?
Entendo que os Conselhos de Auditoria, comitês de crise, áreas de Controles Internos deverão já a partir de agora iniciarem um novo modelo de modus operandi, trabalhando juntos, percebendo a extrema importância da existência em todas as Corporações de uma equipe de gestão de crises que disseminará as orientações em um momento emergencial, em conjunto com Compliance para que todas as ações sejam passíveis de monitoramento, sem engessamento do negócio.

O que verifica-se infelizmente, é que nem todas as Instituições (excetuando-se os Bancos que são monitorados rigidamente pelo Banco Central) possuem sequer a consciência da necessidade de uma estrutura de Compliance segregada, independente, bem como da criação de um comitê de crise, que mantenha em padrões minimamente adequados a continuidade dos negócios. Essas duas estruturas ainda não são unanimidade entre as áreas de negócios da Economia Brasileira.

Com o advento das novas políticas de controles de redes sociais, da Lei Geral de Proteção aos Dados, as novas formas de trabalho nas diversas frentes remotas, precisam estar em conformidade com a ética e as melhores práticas de gestão da informação. As áreas de proteção à informação, Compliance e Controles Internos a partir de agora, assumirão um papel bastante crítico e diferenciado. E infelizmente, com um alto grau de certeza, em função da necessidade de criação de controles automatizados, alguns postos desse tipo de área também correm o risco de serem eliminados.

Processos deverão ser revistos, até mesmo enxugados, onde for viável automatização que sejam criados pontos de controles automatizados através de robôs por exemplo, para que se evite ao máximo a interferência manual em cadeias de trabalho que ocorram remotamente.

Formatos de diligências em empresas terceirizadas, uma grande opção de redução de quadros funcionais e custos, deverão ser repensados.

O acompanhamento do clima organizacional precisa ser eficiente, presente e eficaz, principalmente nos momentos do retorno à “normalidade” que sofrerá mudanças com toda a certeza, gerando incerteza e medos nas pessoas, as quais se sentindo fragilizadas são mais propensas a aceitarem vantagens ilícitas como forma de se precaverem financeiramente em caso de demissões.

Mas como toda má notícia vem sempre acompanhada de uma boa, surgirão oportunidades enormes para os que eventualmente percam seus postos, possam se tornar empreendedores na área de Compliance, Controles e Segurança da Informação, criando seus próprios projetos de assistência e consultoria às muitas Corporações que ainda não conseguiram se adequar de forma satisfatória à nova realidade que virá no pós pandemia.

Há uma frase de Jack Welch que demonstra claramente a necessidade de total renovação nos tempos do pós crise: “Você não pode fazer o trabalho de hoje, com os métodos de ontem e estar no negócio do amanhã”.

Compliance é uma área importantíssima, como nos mostrou a Operação Lava Jato, já mencionada no início deste texto, e terá que criar novos procedimentos para estar em sintonia com as novas realidades que surgirão no pós Coronavírus.

Em tempos de redes sociais, empresas flagradas em atividades socialmente irresponsáveis ou praticando atos ilícitos como forma de auferirem vantagens financeiras, ou terem seus custos reduzidos ou serem beneficiadas por quaisquer meios, correm o seriíssimo risco de em questão de segundos, terem sua reputação, seu nome, irremediavelmente perdidos. Neste ponto vemos como a ação de Compliance é importante ao realizar um trabalho de prevenção.

Nestes novos tempos a reinvenção de Compliance passa pelo conceito de responsabilidade social e sustentabilidade, que se delineará como a nova maneira de auxiliar na blindagem dos negócios de uma Organização e na sustentação de suas atividades.

Compliance passa a ser um projeto de estratégia de uma Organização e não mais aquela área de chatos policiais que impedem tudo. Compliance no pós crise precisa estar presente em reuniões de Conselhos, em comitês de crise para a correta avaliação das tomadas de decisões em meio a uma contingência.

Compliance no pós crise significa responsabilidade de uma Organização e responsabilidade não é apenas econômica, estando atrelada ao meio ambiente, à comunidade em seu entorno, à sua imagem e reputação e à imagem que seus funcionários passam à comunidade. Uma reputação pode levar anos para ser construída, como também levar minutos de fraqueza para se destruir quase por completo, sendo sua recuperação muito custosa e penosa.

Compliance no pós crise necessariamente deverá assegurar que os programas de conduta e controles estejam atualizados em relação aos potenciais riscos; deverá possibilitar a correção rápida dos pontos falhos e auxiliar no aprimoramento dos processos internos; deverá ainda garantir adaptação e respostas rápidas a novos riscos que surjam de novos procedimentos adotados; deverá também auxiliar a tomada de decisão sobre contratações de novos colaboradores que não tenham vínculo com a Organização, do tipo de Consultores, Influencers, empresas de comunicação. Como fazer essas contratações, como controlar o andamento posterior dos trabalhos que serão desempenhados?

Em se tratando de influencers, que é uma grande tendência nas múltiplas rede sociais, é importante que se tenha em mente que a pessoa que exerce esse papel influencia pessoas em decisões menores como comprar, consumir, se entreter, mas TAMBÉM podem levar a fazer escolhas importantes as quais se perpetuarão por longos períodos de suas vidas e com algumas consequências tanto positivas quanto negativas.

Os influencers desta forma precisam estar conscientes de que necessariamente devem comportar-se dentro de padrões de ética, terem autoridade moral, evitando por exemplo a disseminação das famosas Fake News, que causam tantos aborrecimentos.

Infelizmente o que vemos é exatamente o contrário, ou seja, nossa sociedade carece de pessoas com uma ideia clara de missão de vida, de embasamento teórico e que sejam em suas próprias vidas exemplos de caráter, honra e ética, sendo o mais preocupante neste sentido é que cada vez mais esse tipo de trabalho por assim dizer está se tornando muito frequente juntamente com as más condutas.

Abre-se aqui um grande leque de oportunidades, por exemplo, para consultores de carreiras no campo da ética, do Direito e de Compliance.

Quando será que aprenderemos que o trabalho dedicado, persistente e honesto leva de fato ao sucesso de um empreendimento e que jamais se deve lançar mão de atalhos ou caminhos mais baratos ou mais fáceis, pensando-se que com isto se pode chegar a um objetivo? Eu diria que até se chega, mas em algum ponto esse atalho pode destruir todos os planos de uma vida!

Novos tempos, novos rumos, nos quais mudam o trabalho e as pessoas , empresas nascem e morrem, mas a ética, a honra e o caráter devem ser absolutamente imutáveis.
Será que o choque sem precedentes que estamos tomando não será suficiente?

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Maria da Penha Amador Pereira, Economista formada pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo com especialização em Desenvolvimento Econômico.

Atuou em carreira corporativa na antiga Companhia Energética de São Paulo, Banco do Estado de São Paulo e no Citibank, onde desenvolveu carreira por aproximadamente 30 anos em Controladoria, Planejamento Estratégico, Segurança de Informações, Gestão de Crises e Continuidade de Negócios, Qualidade, Projetos de Melhorias de Processos e Produtos Bancários, Controles Internos, Auditoria, Governança Corporativa, Regulamentação Bancária e Compliance.

Atualmente é escritora com obras já publicadas, Master Coach e PNL, Orientadora e Mentora de Carreiras, Palestrante e Educadora Financeira, tendo publicado mais de 55 artigos em Portais de Empreendedorismo, mídias sociais, jornais e revistas regionais e LinkedIn, além de ter participado de vários seminários e fóruns sobre diversos temas ligados à realidade brasileira e Compliance.

1 COMENTÁRIO

  1. A consolidação das estruturas cumpre um papel essencial na formulação das condições financeiras e administrativas exigidas. Por outro lado, o aumento do diálogo entre os diferentes setores produtivos faz parte de um processo de gerenciamento das diversas correntes de pensamento.

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