Depois de ter me tornado aluno exemplar do Sr. Capellano, finalmente fui promovido ao posto máximo de uma Sala de Controle, e isso ocorreu, justamente, num momento em que parecia que eu já não dava tanta importância assim ao fato, afinal, estava vivendo uma grande experiência!
Eu já tinha aprendido tantas coisas novas! Estava muito empolgado e já havia terminado outra pós-graduação e um MBA e feito cursos sobre Comportamento e Liderança. Eu já me sentia realizado pois, devido à orientação do Sr. Capellano, eu havia conseguido, também, minha independência financeira graças a economias e a um plano de aposentadoria administrado por 25 anos.
O que minha esposa achava curioso em tudo isso era o fato de eu ainda não conhecê-lo pessoalmente. Por diversas vezes, cogitei visitá-lo, porém, ele achava desnecessário, dizia que gostava da solidão e de viver com suas carpas em seu sítio. Eu insistia, pois dizia que quando tivesse dúvida gostaria de questioná-lo, porém, ele sempre afirmava que quando o aluno está pronto, o professor sempre aparece.
Nunca o conheci pessoalmente – o Sr. Capellano era apenas uma voz ao telefone que me procurava quando faltava luz. Eu sequer tomei a liberdade de retornar as ligações em seu telefone, mas mandava e-mails sempre, os quais ele só respondia quando queria (risos). O curioso é que sempre quando ele me ligava para reclamar sobre a falta de luz, ele tocava no assunto do e-mail onde eu tinha feito perguntas, logo, eu sabia que ele havia lido. Quando perguntava por que não respondia às minhas dúvidas, ele dizia que eu ainda não estava preparado para a resposta, que tinha que pensar por conta própria.
Finalmente, as promoções vieram. Eu estava com 40 anos de idade e já desfrutava da sensação de “missão cumprida”. Era dezembro de 2011, um ano especial para mim, pois tudo tinha dado certo. Depois de tanto sacrifício, eu finalmente tinha chegado ao posto máximo na minha carreira profissional. Já havia participado de diversos congressos, tinha escrito vários artigos para simpósios e recebido uma gorda quantia de participação de lucros e resultados. Fui condecorado com premiações internas, terminei todos os cursos acadêmicos que queria em minha vida, fui indicado para compor o Grupo de Estudo para a abertura da Copa do Mundo de Futebol no Brasil de 2014, enfim, tudo parecia que havia terminado com final feliz – mas só parecia…
No dia 24 de dezembro de 2011, estava sentado em minha confortável cadeira em uma belíssima sala de vidro de frente para todos os colaboradores da Sala de Controle e de costas para uma janela que tinha como paisagem a maior metrópole da América do Sul, toda iluminada para o Natal. Até que parou em frente à porta da minha sala uma das senhoras da limpeza e perguntou se ela poderia entrar. Logo a reconheci e respondi que sim e, então, ela entrou, abriu uma sacola de supermercado e me ofereceu de presente um panetone. Eu fiquei todo sem jeito, pois não tinha nada para retribuir a gentileza… Pedi desculpas e ofereci um abraço. Ela me abraçou e disse que ela é que tinha que agradecer. Perguntei por que e ela me disse que no ano anterior, nesta mesma data, ela tinha entrado na minha sala para me perguntar se deveria continuar no emprego, pois a empresa iria mudar de local e, na época, eu a orientei a acreditar no trabalho e acompanhar a empresa. Lembrei-me do dia que ela citou. Na ocasião, ela me disse que foi orientada por outras pessoas a me procurar, pois eu era muito receptivo e poderia orientá-la, afinal, fazia isso com todos os jovens da empresa. Na hora de ir embora, ela me disse que chegaria em casa depois da meia noite, pois não tinha mais ônibus.Eu me ofereci para levá-la, porém, ela toda envergonhada não quis aceitar a carona de jeito algum.
Naquele dia, em 2011, um ano depois, a empresa ofereceu um banquete de Natal, então, durante a conversa, ofereci que ela fizesse seu prato e viesse comer comigo, mas ela se recusou, perguntando se podia fazer o prato para levar e comer em outro lugar. Respondi que tudo bem. Aí ela teve coragem de me falar o real motivo da recusa da carona do ano anterior… Ela me contou que, na verdade, não tinha onde morar e estava em um cômodo num local demolido interditado pela Prefeitura por ser área de risco. O ex-marido tinha abandonado ela e voltado para sua terra natal. No momento, contava apenas com a companhia de uma filha adolescente e ficaria envergonhada por encontrá-la naquela situação.
Entendi e respeitei.
Embrulhei a comida em embalagens de alumínio, coloquei em uma sacola, entreguei em suas mãos e me despedi, deixando estimas de um Feliz Natal para ela e para filha.
Naquele dia, meu mundo caiu. Foi como se um filme passasse na minha mente e senti muita vergonha. Eu, preocupado única e exclusivamente com minha carreira, não estava fazendo tudo o que podia para ajudar as outras pessoas.
O que eu estava fazendo para ajudar a carreira e o trabalho das outras pessoas que padeciam com as faltas de oportunidades? Pessoas que, em algum momento, também tinham as mesmas dúvidas que eu tive, a mesma falta de orientação?
Entendi o ponto de vista dela, não a acompanhei, mas dei um cartão de uma assistente social que eu conhecia e pedi para que voltasse em minha sala dias depois, pois iria orientá-la em sua profissão.
Fui para minha casa e minha esposa havia preparado uma ceia maravilhosa, mas naquele dia não tive fome. Contei o episódio e ela compreendeu que, naquele dia, qualquer coisa que eu comesse não teria sabor.
Dias depois, esta senhora voltou a me procurar e fizemos um trabalho juntos, algo muito parecido com o que havia sido feito comigo por João Capellano. Ela, em 1 ano, terminou o Supletivo do Ensino Médio e conseguiu uma promoção como Encarregada da Limpeza.
Naquele 24 de dezembro de 2011, ou seja, 1 ano depois, ela havia entrado em minha sala para dizer que havia conseguido um apartamento em uma comunidade próxima ao barraco onde morava graças à assistente social que eu havia indicado e gostaria de me oferecer aquele panetone em forma de gratidão. Eu aceitei de muito bom grado e vi a alegria daquela pessoa em dividir comigo suas vitórias!
Depois de 25 anos no Setor Elétrico, imaginei que minha missão, finalmente, estava cumprida e que bastava me dedicar mais alguns anos para me aposentar de forma segura e tranquila. Eu não sabia, mas estava totalmente enganado. Minha verdadeira missão havia começado naquele fatídico 24 de dezembro de 2011 com aquele anjo humilde que apareceu na minha sala.
Numa outra oportunidade que faltou luz, contei esta história ao Sr. Capellano, detalhe por detalhe. Foi quando ele me surpreendeu, dizendo:
– É, Jorge, bem vindo à missão!
Foi, então, que percebi e entendi o que finalmente meu tio, exemplo de sucesso na carreira, havia tentado me dizer sobre missão. Aquele era o chamado. A partir daquele dia, decidi ajudar as pessoas profissionalmente e orientar os jovens. Ajudei a criar na empresa um programa chamado “Energia do Bem” para conscientizar crianças em escolas públicas a não intervirem na rede elétrica com trilhos de cortina ou vergalhões de ferro para retirada de pipas devido ao risco de mutilação e morte por choque elétrico. Foi assim que comecei a palestrar e dar treinamentos. Foram centenas de milhares de jovens impactados com as palestras.
Também ia a canteiros de obras de prédios para falar para os trabalhadores sobre os riscos de manusear barras de ferro próximo à rede elétrica, afinal, há muitos óbitos no Brasil causados por acidentes elétricos. E foi justamente durante a aplicação destas palestras que vários jovens me abordavam ao final, não para perguntar sobre o tema, mas para saber como eu tinha construído uma carreira tão vitoriosa! Estas palestras me inspiraram a escrever meu primeiro livro, “Iniciando uma carreira brilhante”, mas essa é a história que vou contar na próxima coluna!
Espero vocês!
Jorge Penillo, conhecido como Doutor Carreira, é coach e mentor de liderança e carreira. Professor universitário e palestrante, tem formação em universidades do Brasil e Estados Unidos. É graduado em Administração de Empresas com pós-graduação em Marketing e Negócios e possui MBA em Estratégia Empresarial com especialização em Neurociências. Começou sua carreira profissional aos 14 anos de idade, em 1986, aos 14 anos na Eletropaulo como menor aprendiz, e permaneceu na empresa por 30 anos, passando por várias áreas técnicas e administrativas até 2016. É autor do livro Iniciando uma carreira brilhante, que tem o objetivo de orientar os jovens sobre como entrar no mercado de trabalho.