Existe mesmo isso de “ter um dom”?
Desde pequeno eu gostava de criar. Não importava se fosse um curta, um conto, um livro… Criar histórias e personagens era algo que eu sempre apreciei muito. E lembro sempre de muitas pessoas que me falavam que era um “dom”, que eu tinha nascido com uma aptidão especial para tais coisas.
E eu, assim como muitas pessoas, cresci ouvindo essa palavra em vários outros momentos. Assistindo artistas incríveis cantando na televisão, “essa menina tem o dom de cantar!”, ou assistindo alguma série ou filme com uma ótima atuação, “que dom esse ator tem em atuar!”. E assim, essa ideia ficou fixada em minha mente como algo natural.
Foi assim até o dia em que eu vi um vídeo do comediante e hoje meu amigo Marcos Castro, onde ele traz à tona uma ideia que eu nunca tinha percebido. Falar para alguém que ela tem um dom normalmente é algo feito com a melhor das intenções, com a ideia de elogiar a pessoa.
Porém, essa fala às vezes é prejudicial, e até um insulto, porque para ser bom em algo, alguém deve dedicar muito tempo àquilo. Atribuir todo o sucesso de uma pessoa em uma atividade específica a um “dom” é ignorar todo o tempo investido na atividade, todo o trabalho que a pessoa teve em estudar, praticar e melhorar.
Quando eu estudava cinema na Full Sail University, tive um excelente professor chamado Larry Katz, um ótimo profissional da indústria do cinema que já trabalhou em Capitão América, X-Men, Piratas do Caribe, e mais, e ele falava algo que eu nunca esqueci. Nossos primeiros trabalhos são como água de mostarda. Sabe quando você pega um pote de mostarda (ou mesmo ketchup), aperta ele e – antes de sair a mostarda propriamente dita – o que sai é aquela água que ninguém gosta? É isso.
Quase nunca o primeiro trabalho de um cineasta é seu melhor. Mesmo que ele tenha ganhado prêmios em seu primeiro trabalho oficial, ele deve ter vários curtas antigos que, mesmo se não ruins, ainda não são tão bons quanto o potencial dele. A água de mostarda.
É por isso que os maiores atletas treinam diariamente. Eles são os melhores no que fazem, mas o esforço que fazem para isso é gigantesco. Mesmo os cantores, uns tem aula de canto, alguns cantam para si mesmo, gravam, e escutam depois, para poder melhorar. Quase nenhum comediante tem um ótimo show em sua primeira vez no palco… E tem vários outros exemplos disso.
E com isso volto à minha pergunta inicial: Existem dons? É sim possível que uma pessoa tenha aptidão à algo, apesar de às vezes até isso ser relacionado ao gostar. Minha aptidão à histórias vem do meu meu amor pelas mesmas, o que por sua vez é por causa de todos os filmes que assisti com meus pais, dos clássicos aos mais modernos. Mas mesmo que exista aptidão, ou dom, é errado atribuir o todo o sucesso de alguém a um dom. O certo é reconhecer o trabalho necessário para ser o melhor no que se faz.
Nascido em 2001 e formado em cinema pela Full Sail University, na Flórida, EUA, Lucas atualmente estuda Rádio e TV na Anhembi Morumbi. Já trabalhou em múltiplas gravações de vídeos institucionais, com edições de vídeos, em curtas e no NXT, o famoso programa de luta livre internacional.